Estima-se que no mundo, uma em cada quatro a cinco crianças e adolescentes tenham algum transtorno mental. No Brasil, acredita-se que a incidência varie dos 7% aos 20%. Professor da Universitat Autònoma de Barcelona, Renato Caminha afirma que uma pesquisa feita com a Universidade, em parceria com a Austrália, Estados Unidos e Canadá, mostrou que para cada 10 crianças dentro da sala de aula, três já tenham transtorno de ansiedade, que é o mais prevalente na infância.
“Se você pegar o Brasil, onde há um nível de estresse muito grande, principalmente no que se refere a segurança pessoal, esse nível é, possivelmente, bem mais elevado. Não há estudo específico aqui, mas a gente infere o que vê no consultório. Porém, as estatísticas mostram que 0,9% das crianças tenham depressão. É o transtorno mais prevalente na vida adulta, já é o segundo na OMS de todas as doenças e, em 2024, se prevê que seja o primeiro”, explica o psicólogo que é pesquisador na área de Psicoterapias Cognitivas na Infância, Transtorno do Estresse Pós-Traumático, Prevenção em Saúde Mental e Educação Socioemocional.
A depressão é a doença que mais afeta as pessoas e, consequentemente, a produtividade, por isso preocupa os governos de um modo geral. Na edição de 2020 do Manual de Diagnóstico Estatístico de Transtornos Mentais, foi incluída a irritabilidade, o Transtorno de Desregulação do Humor. Com isso, os índices de depressão subiram para uma ordem de 3,5% da população.
“A depressão sempre esteve presente na infância, ela só estava mal diagnosticada”, pontua Renato.
Mas como saber se meu filho tem isso?
Essa e as principais dúvidas sobre o assunto, o psicólogo esclarece a seguir. Confira:
Sintomas como dificuldade para dormir, relatos de preocupação, alterações de comportamento, desobediência excessiva, voltar a urinar na cama e, até mesmo, dor física merecem atenção especial?
A dificuldade para dormir gera quebra do ciclo circadiano, do ciclo do sono. Adultos precisam dormir um determinado número de horas, crianças tem que dormir um pouco mais, em torno de 8 a 10 horas, mais ou menos, porque elas precisam de cinco horas ininterruptas de sono para liberar o hormônio do crescimento, chamado GH. Ele não só faz crescer, como também organiza todas as estruturas do cérebro.
Quando você não tem uma regularidade de sono, de pelo menos engatar em seis, sete horas seguidas de sono, você tem quebra, interrupção na liberação do GH. Isso gera maior déficit de atenção na vigília, maior impulsividade e essas crianças podem ter então problemas por isso. As alterações de comportamento podem ser também relacionadas ao sono, à desobediência aumenta a impulsividade. Voltar a urinar na cama é ligado ao estresse, depressão ou ansiedade.
Mas qualquer um desses sintomas faz com que os pais fiquem em alerta?
Sim. A criança tem que ser ligeiramente agitada, ter brilho no olho, ter vivacidade, tem que achar coisas banais engraçadas e divertidas. Se a criança se encontra cinzenta, sem coloração, a gente diz que tem algum problema, chama atenção. Eu digo que esse é o teste rápido de saúde mental.
Aproveite e confira:
- Prevenção ao Abuso Sexual – confira nossas dicas
- Estomatite – o que é, causas, tratamento e prevenção
- Crianças que não gostam de parquinho podem ter alteração no sistema vestibular
Como a gente pode cuidar da saúde mental na infância para que nossos filhos cresçam mais seguros e confiantes?
É a pergunta que não quer calar. Na verdade, sempre digo que existe uma equação, quanto maior a participação parental, maiores os resultados da criança na psicoterapia. Se os pais participarem, há mais chances de dar certo. E aí é a questão, nós começamos a trabalhar no Brasil e no mundo, a educação parental, para que os pais possam desenvolver ações validantes de saúde mental, dentre elas educação socioemocional, o manejo de emoções. A educação formal é muito cruel com as emoções. Grande parte das psicopatologias na infância têm origem aqui, nessa desregulação na relação com as emoções.
Precisamos dar uma “vacina” de saúde mental nas nossas crianças. Isso nada mais é do que uma terapia preventiva, para anteceder um problema que possa vir a surgir. Assim como a vacina previne, a terapia também pode prevenir.
Pais que desejam que os filhos sejam referência na escola, cobram exageradamente notas boas. Além disso, colocam desde cedo as crianças na natação, ballet, judô, inglês, diferentes atividades, com uma agenda repleta, podem estar influenciando de maneira negativa o psicológico deles? Essas crianças tendem a crescer mais estressadas, inseguras e se cobram demais?
Sim, claro. Eu como terapeuta de criança e adolescente vejo que os pais têm uma mania de medir saúde mental com desempenho escolar. Às vezes a criança está mal, mas as notas excelentes, aí a criança tira uma nota baixa, eles logo levam em um terapeuta para saber o que está acontecendo. É uma falta de informação, falta de olhar para a criança.
Claro que prejudica, estressa, porque criança e adolescente têm que ter ludicidade, momento para brincar, o ócio criativo, isso faz parte do desenvolvimento do cérebro, socialização, interação com pares, momentos livres, preferencialmente outdoor.
A gente já tem prevalência de patologias no Brasil, diferente de outros países, por questões de segurança. As nossas crianças têm menos habilidades socioemocionais, consequentemente menos empatia. O nosso país é o centésimo quadragésimo sexto de empatia no mundo, ou seja, falta empatia total. A Dinamarca é o primeiro país mais empático do mundo.
O que é estresse tóxico?
Todo estresse pode ser tóxico. O estresse exagerado libera cortisol e adrenalina na corrente sanguínea e a prevalência com frequência e intensidade elevada de cortisol e adrenalina pode inibir, inclusive, a ação das células do sistema imunológico.
Com isso, a pessoa fica mais doente, agrava doenças autoimunes. O estresse tóxico pode ser o estresse que já é incontrolável, porque o estresse faz parte da vida, todos os dias, umas vezes mais, outras menos. Mas o estresse tóxico pode ser que você não consiga resolver, a prevalência e a constância e acabe afetando a todos.